quinta-feira, 3 de maio de 2018

Mal incurável


Era ocasião de um fim de tarde numa véspera de fim de semana. Meu subconsciente martirizava-me com questionamentos que não me cabiam resolvê-los. Pus-me a folhear páginas de revistas quaisquer assentado muito silenciosamente no banco de uma praça. Nos labirintos de meu cérebro corriam lembranças de condições, situações, frases, ações e gestos do passado que há muito me causaram profunda dor. Porém, meu coração gritava aos berros com máxima perspicácia que é preciso ter paciência. 

Ali mesmo, compenetrado em meus afazeres psicológicos, deparei-me com a imagem de duas jovens garotas vestidas com fardamento escolar e portando às mãos seus materiais. Na condição de homem velho em que me encontro, já nem esperava que algum gesto de gentileza dali se manifestasse. Para minha surpresa, as jovens moças educadamente se ofereceram a fazer-me companhia. Tive receio de que aquela cena soasse desagradável para uma sociedade que em tudo vê maldades, mas aceitei cordialmente. 

A princípio as garotas me fizeram muitas perguntas sobre constituição familiar, vida profissional, conhecimento de mundo e outras tantas mais. Comecei a adentrar naquele papo, percebendo que elas manifestavam grande interesse no que eu dizia. Até que chegaram ao ponto crucial de minhas aflições mentais. Uma delas – com aparência de quem experimentara uma relação amorosa mais profunda – afirmou que a colega ao lado sofria horrores pela situação de um intenso bem-querer e sentia-se possessa de ciúmes. Ri com largo riso frouxo. Suspirei com farto baforejo. Tremi com delicado disfarce. 

Arrematei que o amor é a mais linda dádiva proporcionada ao frágil organismo humano; que isso exigia de nós renúncias e valores os quais muitas vezes fogem de nosso domínio. Vi um leve semblante de alívio sob o olhar da garota tímida e pacata que me olhava com magistral admiração. Por fim, ambas questionaram-me sobre o que fazer diante de tal situação e eu, moderadamente, fiz questão de citar o memorável Miguel de Cervantes, dizendo-lhes: “Quando tal enfermidade (o ciúme) domina a alma enamorada, não existe ponderação que a sossegue, nem remédio que a possa curar”. 

Abraçaram-me timidamente e retiraram-se desconsoladas. Tornei a ler! 

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