Lá pelas tantas de 1990 e alguma coisa, no ápice de minha
magistral adolescência, o rock in roll
circulava em minhas veias com uma intensidade tão fervilhante que me fazia
perder o senso das coisas. Todos os tipos de sons pesados e distorcidos, de
guitarras eufóricas, camisetas com caveiras, gestos obscenos, palavrões, tudo
isso eu resolvi aderir para meu novo estilo de vida. Para mim, isso era
fantástico, porque por mais ridículo que eu parecesse ser aquilo tudo fazia eu
me sentir feliz, importante, notável (ou não).
Meu visual
era um tanto quanto exótico. Eu era absurdamente magro, feio de dar “nó em
pingo d’água”, usava umas roupas extremamente folgadas, mas meu comportamento
era comum para um jovem adolescente daquela época. Meu pai era meio ressabiado
com aquela minha postura punk, ele que sempre foi muito criterioso na criação
de seus dois filhos. E é exatamente nesta hora em que entra o personagem desta
narrativa, meu estimado pai, tão adorável em suas respostas.
Certa vez, fui ao show de uma banda
de rock em outra cidade aqui perto. Senti na pele aquela adrenalina das canções
que me envolviam fervorosamente e fui acometido de uma razoável loucura de
imaginar mil coisas loucas para minha vida. Entre esses absurdos estavam: usar
brinco e fazer uma tatuagem. Ainda na casa de shows, já depois do concerto
daquela banda incrível, refleti em instantes se aquilo valeria de fato a pena!
Foi um pensamento muito ligeiro, porque ao lembrar-me do cinturão, das
chinelas, das mãos de meu pai entrando nos meus couros eu mudei de ideia
velozmente. Não queria jamais tomar aquela burra decisão sem sua autorização. E
aí decidi conversar com ele sobre tal fato.
De volta a
minha cidade, peguei-o em um momento resguardado durante o almoço, ele sentado
na cabeceira da mesa muito bem arrumado para ir trabalhar. Resolvi manter uma
distância de segurança e fui sentar do outro lado da mesa, caso algum objeto
voador não identificado resolvesse vir na minha direção. Meu estimado pai estava
saboreando sua comida, olhando para o prato e eis que esta figura que vos fala
resolve instigar a fera. Disse-lhe:
- Pai! O
senhor sabe, né, que eu fui a um show de rock no Crato?
- Hum...
- Pois é! Foi
massa...
- Hum...
- Aí eu tava
pensando umas coisas aqui...
- Hum...
- Não queria
fazer nada sem a opinião do senhor!
- Hum... (Era
a única coisa que ele me respondia)
- Então pai,
eu acho que vou fazer uma tatuagem! (Pêi bufo, na lata!)
Foi então que
ele parou de mastigar a comida e minhas pernas começaram a tremer. Olhei na sua
direção esperando qual seria sua reação. Ele pediu para que repetisse o que havia
dito. Minha voz já não era a mesma, passei a afinar a voz com medo da explosão
de emoções daquele homem em hora de descanso. Disse-lhe mais uma vez que queria
fazer uma tatuagem e, simplesmente, murchei.
Meu estimado
pai unicamente arrastou o prato um palmo a sua frente, deu um suspiro ofegante
como o de um urso na floresta, olhou-me como quem quisesse me liquidar de vez,
afundou a cabeça do dedo no vidro da mesa e me disse em voz amedrontadora:
- Olhe aqui,
seu cabra! Se você fizer uma tatuagem, eu vou lhe deitar no chão e tirar esse
desenho com uma enxada de capinar roça, você me entendeu?
Sabe o que eu
respondi? “Hum...!” Estava nem doido de discordar. Ele continuou:
- E tem mais,
se passar pela sua cabeça a ideia de usar brinco eu arranco até sua orelha
junto! Você tá me entendendo?
- Humrum!!!!
Ele se
levantou da cadeira e eu já estava na certeza de que aquele prato vinha no meu
rumo. Já estava pensando no macarrão pregado nos meus óculos, o feijão no meu
nariz, o pedaço de ovo no meu cabelo. Mas não! Meu estimado pai ainda tinha
algo a me dizer:
-
Maaaaaaas... Olhe aqui! No dia em que você completar dezoito anos, eu lhe dou
toda autonomia do mundo para você fazer o que quiser. Até lá você é meu filho e
está sob o meu regimento, tá entendendo, seu cabra?
- Humrum!
Estou sim...
Retirou-se do
ambiente sem terminar de almoçar e sem arremessar o prato em mim, que
obviamente ele não faria isso, porque na verdade aquilo era uma singela
manifestação de cuidado e zelo de um pai por seu filho.
No dia 16 de
novembro de 2012, dia em que completei 18 anos, ele chegou até mim para me
parabenizar e disse entre tantas palavras que a partir dali eu poderia fazer de
minha vida o que quisesse, porque o papel dele foi cumprido “como manda o
figurino”. De lá para cá, já se passaram quase quatorze anos e ainda não tive a
coragem de desobedecer as determinações de um homem que dedicou a sua vida em
prol da construção da dignidade de seus filhos!
Esta história
é para que o mundo conheça Francisco Célio de Lima, o meu “estimado pai”!
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