quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Chico Fumaça


Minha infância foi marcada por muitos momentos maravilhosos. Tive o prazer de desfrutar de todas as alegrias que aquela nobre década de 1990 me proporcionou, tais como: soltar pipa descalço pelo meio da rua; jogar futebol num campinho de terra em um dia de chuva; subir em árvores para encher os bolsos de seus frutos; derramar uma grande sacola de pequenos brinquedos no quintal de casa com meu irmão; sentar até altas horas da madrugada na calçada com os amigos; e tantas outras vivências ainda inesquecíveis na memória.

Porém, nestes últimos dias pude reviver uma forte lembrança de minha tenra juventude e isso me traz à tona a figura ilustre de meu pai. Todos os finais de semana ele sentava-se em sua cadeira de balanço no cantinho da calçada para fazer suas inspiradoras leituras. Eu ficava sempre em suas imediações observando-o tão concentrado em suas atividades. Aquilo me inspirava. Meu pai e eu sempre fomos apaixonados por aviões, de preferência os maiores, e este encantamento por aeronaves ainda hoje é visível em nós.

Fielmente, todas as tardes de sábado, um imenso avião cruzava o céu de nossa cidade espalhando pelo ar seus rastros de fumaça. Eu achava aquilo incrível e imediatamente me punha a imaginar pilotando aquele imenso pássaro de ferro. Meu pai tinha um binóculo preto que deixava sempre por perto para quando o avião passasse. Ainda hoje sinto sua voz forte ecoando em meus ouvidos gritando para mim, que estava distraído com minhas brincadeiras: "Lincoln! Lá se vem o Chico Fumaça..." Não havia mais nada que me prendesse a atenção, a não ser nosso fiel "Chico Fumaça". 

Ali mesmo na calçada nos colocávamos a observar a aeronave cruzando o céu vagarosamente, deixando para trás um grande risco de fumaça pelo ar. Pegávamos o velho binóculo e alternadamente tentávamos ver detalhes do avião. Aquilo era fantástico. Muitos sonhos passavam em nossas cabeças, havia diálogos permeados de uma linda ingenuidade infantil com a maturidade de um bom pai. E juntos espreitávamos nosso estimado Chico até o fim de seu percurso.

Ao desaparecer, o avião deixava em nós uma inquietude para saber de onde vinha e para onde estava indo. Mas estas dúvidas eram vagas... Na verdade, esse não era nosso real interesse. O "Chico Fumaça" dava-nos a convivência, a surrealidade, o imaginário pueril e isso verdadeiramente foi muito bom. Eu estava sempre alerta para observar o céu e avisá-lo, e ele fazia sempre a mesma coisa. Com nosso binóculo, com os nossos sonhos, com os diálogos, com o "Chico Fumaça" víamos e vivemos momentos maravilhosos!

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