O relógio de parede da sala registrava 7:35 da noite, a televisão fazia seus anúncios para o telejornal que logo se iniciaria, meus familiares distraídos com suas ocupações e eu havia acabado de recolher os pratos do jantar e colocado na cozinha. Tive um dia de aula exaustivo, a fadiga já dominara meu corpo e o meu espírito. Nada muito exagerado para um jovem de dezessete anos, mas o suficiente para manter-me preso dentro de casa numa noite de quarta-feira.
Sento-me na poltrona da sala na companhia ilustre do meu pai. Conversamos algumas coisas muito rapidamente, ele pôs-se a ler sua revista Seleções Readers Digest e eu apenas descansava um pouco para logo mais tarde entrar em meu processo sagrado de hibernação. Mas a campanhia toca e meu ilustre pai não esboça a menor reação e continua sua leitura. Ela torna a tocar. Tive a obrigação de deslocar meu pesado corpo cansado para abrir aquele velho e sujo portão de madeira. Da porta de casa até o portão do muro eram cerca de 4 metros que mais pareciam 4 quilômetros. Tentei visualizar algo por entre as brechas da madeira, mas nada vi além de uma sombra.
Vagarosamente abro o portão e me deparo com a presença de uma jovem garota com um rosto bem familiar, mas que não sabia de quem se tratava. Ela me olha com encantamento e cita o meu nome desejando-me boa noite. Respondi-lhe educadamente e perguntei o que desejava, de prontidão a jovem moça diz querer conversar comigo em particular. Achei aquilo meio esquisito, mas obviamente não rejeitei o seu convite e logo tornei para dentro de casa, vesti uma camiseta, passei um pouco de perfume e esqueci até que estava cansado. Meu pai permanecia imóvel, mas perguntou-me aonde eu ia, respondi-lhe que saia para resolver umas "paradas acolá". Ele fez um ar de suspeito e continua a leitura.
Chegando de volta à calçada percebi que a menina parecia apreensiva e ansiosa por alguma coisa. Dirigimo-nos à lateral de minha residência, ficamos um pouco mais reservados e perguntei-lhe seu nome. Ela diz com voz singela: Paula. Disse-me que eu não a conhecia, mas que ela me observava há muito tempo e que sempre foi apaixonada por mim. Esta notícia me surpreendeu e causou-me um riso tímido e encabulado. Ouvi atenciosamente seu desabafo por um rápido instante até que ela me faz um pedido nada inesperado. Perguntou-me se podia me dar um beijo. Pronto! Ela foi simples, rápida e direta. Ri mais uma vez, com mais timidez ainda, esta que sempre foi minha marca registrada. Vendo aquela garota tão determinada a tal ponto de ir pessoalmente em minha casa e dizer tudo aquilo corajosamente, não pude negar-lhe este beijo.
Mas... Eis que surge a minha frustração! Paula era visivelmente bem mais nova do que eu, além de ser bem mais baixa também. Ela não parecia ter tanta experiência assim com relacionamentos e, pelo que pude prever, com beijos muito menos. Disse a ela pouquíssimas palavras e confirmei que sim, ela teria o beijo que desejava. Neste mesmo instante, ela fecha seus olhos, inclina sua cabeça, estica o pescoço em minha direção e (pior ainda) abre sua boca como quem fosse me dar uma mordida, não um beijo. Assustei-me com aquela visão inusitada e numa fração de segundos pensei comigo mesmo: "Meu Deus! Essa mulher vai me engolir." Pus as mãos em seus ombros e disse-lhe educadamente: "Paula, não precisa ficar tão ansiosa. Deixe as coisas acontecerem naturalmente." Na verdade, meu desejo era de dizer: "Paula, pode fechar um pouquinho sua boca que eu quero ficar aqui do lado de fora." Ela parece ter entendido minha mensagem, mas no momento em que nossos lábios se encontraram seu desejo parecia insaciável. Era uma coisa fervorosa e impulsiva, até parece que aquilo era desejado há uns 50 anos. Quanta sede pra uma jovem só. A sensação de que seria engolido confirmou-se mais uma vez e eu apenas curtia aquele breve momento e ria comigo mesmo, pensando distante: já que é assim, então que assim seja. E tudo fluiu como eu jamais esperava.
Alguns instantes depois, ela parece ter realizado seu sonho, diz-me muito naturalmente que já precisa ir, abre um sorriso eufórico e sai pela calçada aos pulos como se tivesse ganhado uma rica premiação. Abro um sorriso solitário daquela situação e torno desconfiado ao sofá de casa onde encontro meu ilustre pai em sua incansável leitura. Sento-me ao seu lado e respiro ofegante. Ele move-se em minha direção entendendo o meu suspiro e pergunta:
- Mulheres?
Respondi-lhe de prontidão:
- Sim,pai, mulheres!
Ele bate em minhas costas e me diz:
- Você ainda tem muito o que aprender sobre elas, meu filho!
- Verdade, pai, você tem toda razão.
Daí então, o silêncio reinou entre nós.
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